Eu corro
descalço desde 1987. Até então, aos trinta anos de idade, eu levava um vida sedentária, meio boêmio, roqueiro e violeiro, sem nunca ter praticado nenhuma atividade física regular. Pesando cerca de 18 quilos mais que hoje, mantinha um nível de pressão arterial
e de glicose sempre elevados.
Porém, em março de 1987, quando houve a mudança da moeda brasileira que extinguiu o Cruzeiro e adotou o Cruzado, o Departamento responsável pela conversão do Sistema de Contabilidade da empresa onde eu trabalhava em Belo Horizonte, entrou em colapso. Praticamente sozinho no meio do furacão, eu quase pirei. Foi tanta pressão que eu comecei a ter sintomas meio preocupantes em relação a aspectos cardiológicos e neurológicos. Pra me recuperar, os médicos da
empresa me impuseram um severo regime de atividade física aeróbica. Foi quando tomei
gosto pelas corridas!
Logo nas primeiras semanas de corrida eu deixei de
usar tênis, por comodidade - pra não ter que lavá-los diariamente, pois o campo
de futebol onde eu corria era de terra batida e muito
poeirento. Daí, eu pensei: lavar o pé é mais fácil que lavar os tênis!
Ao longo dos anos preservei o hábito porque descobri que minha
performance correndo descalço era cerca de 15% maior, tanto em termos de resistência
quanto em velocidade. Hoje uso tênis eventualmente, apenas quando vou correr em
pista muito aquecida pelo sol ou com pedregulhos. Contudo, apesar das críticas que sofri, sobretudo no começo, prefiro correr com meus
pés no chão.
Nós nascemos descalços
Todavia, a despeito de toda a polêmica sobre essa prática, a minha convicção é que a condição normal do ser humano, tanto para correr quanto para andar, é descalço, pois só assim os mecanismos biológicos que formam o nosso sistema de locomoção podem funcionar naturalmente, livres da interferência de acessórios artificiais.Minha participação descalço na Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro. |
Ora, não poderia ser diferente! A estrutura ortopédica e
funcional do nosso sistema de locomoção se desenvolveu e se aperfeiçoou ao longo de milhões de anos, formando um conjunto mecânico
perfeito! Seria muita ousadia acreditar que a indústria de calçados, por mais evoluída
tecnologicamente que seja, pudesse ter desenvolvido produtos capazes de
competir, melhorar ou, muito menos, superar a perfeição do conjunto ortopédico natural do ser humano.
Por outro lado, por mais que os calçados sejam necessários e convenientes à proteção dos pés, não
deixam de ser acessórios artificiais que, de alguma forma, interferem na altura da pisada e nas dimensões naturais do passo, afetando a forma de andar de cada pessoa. Em razão disso, uma vez que o calçado não é parte integrante do nosso mecanismo locomotor original, acabam por
interceder negativamente em todo o sistema, seja nos músculos, seja nas
demais estruturas do corpo, sobretudo na coluna vertebral, que é a estrutura mestra a sustentar o corpo.
Portanto, por mais que
os fabricantes desenvolvam tênis especializados e tentem vender a ideia de que
seus produtos diminuem o impacto, aumentam o impulso, etc, etc, na verdade eles
estão apenas correndo atrás do prejuízo, buscando amenizar os danos impostos
pelo uso desse calçado.
Por essas e outras razões, ainda que muitos profissionais médicos e ortopedistas defendam
o contrário, eu não vejo qualquer risco em correr ou andar descalço, além de pedrinhas, espinhos, cacos de vidro ou pavimentação
muito aquecida pelo sol, que podem muito facilmente ser evitadas.
Pé no chão não faz mal
Acredito que o senso comum, segundo o qual o uso de tênis é indispensável, sobretudo nos esportes, é resultado de uma ação de marketing muito intensa, que vem há décadas convencendo a opinião pública e a comunidade médica, mas a a real motivação é vender tênis e sustentar o bilionário mercado calçadista ao redor do mundo.
No entanto, não vejo razão para preocupação em relação a efeitos nocivos decorrentes da prática de
corridas descalço. Pelo contrário, eu me arriscaria a sugerir que
eventuais problema de coluna podem ser, no mínimo, amenizados com caminhadas e corridas descalço. Não só pelo reforço
e condicionamento dos músculos que auxiliam a estrutura óssea na sustentação do
corpo, mas também pelo fato de que esse tipo de atividade não impõe nenhum
esforço extra de adaptação para compensar a alteração provocada pela sola e pelo salto do calçado.
É comum me perguntarem sobre como e quando começar essa prática. Embora não haja segredo algum, eu recomendo começar aos poucos, primeiro pela grama, areia ou terra batida e, em poucos dias, pode enfrentar pistas de cimento ou asfalto, numa boa. Essa prática gradativa visa muito mais a uma adaptação psicológica do que a um condicionamento da sola do pé, que, por natureza, já tem um couro muito resistente. Entretanto, se você tiver uma pisada torcida ou deslizante, isso poderá causar bolhas e deve ser corrigido.
Às mulheres, obviamente, vale alertar que a limpeza do pé e das unhas ficará um pouco mais
trabalhosa. Porém, a pele da sola do pé permanecerá lisa e macia ao tato.
É importante também
observar que as pistas molhadas deixam a pele fragilizada, pois
a umidade amolece e deixa o tecido mais flácido e mais vulnerável. Por isso, até
mesmo quando for correr depois de ter passado um longo período de tempo calçado
e com o pé suado, é melhor dar um tempo para secar a sola dos pés.
PESQUISAS:
I - Tênis: Pesquisas e
Desenvolvimento nos anos 90.
Nos
anos 90 a Nike e Adidas, as duas maiores fabricantes mundiais de tênis
buscavam, simultaneamente, desenvolver o melhor tênis para corrida. Porém ambas
adotaram enfoques divergentes nos respectivos projetos:
1. A Nike apostou na tese de que o tênis
deveria exercer uma função ativa em relação à performance do atleta. Assim,
investiu em dispositivos que absorvessem o impacto do pé ao tocar o piso e que,
em seguida, oferecesse uma propulsão suplementar à passada, impulsionando o
corpo do atleta.
2. Por
outro lado, os engenheiros da Adidas
acreditavam que o tênis deveria oferecer unicamente a proteção e segurança
necessárias à planta dos pés e, sobretudo, conforto e, nessa linha, buscou-se
desenvolver um tênis que provocasse a menor interferência possível no
funcionamento natural do pé e das articulações, permitindo que o atleta se submetesse
exclusivamente aos efeitos naturais decorrentes da concepção anatômica original
do corpo.
Ambas
as empresas investiram milhões de dólares e recrutaram os melhores
profissionais das mais diversas áreas, dentre os quais renomados engenheiros de
produtos, engenheiros de materiais, médicos, fisioterapeutas, dentre outros,
todos dedicados à pesquisa tecnológica, testaram seus produtos acompanhando a
evolução e o comportamento de dezenas de atletas em todo o mundo, ao longo de vários
anos.
Segundo
a reportagem do "Discovery Channel", que documentou as pesquisas
levada ao ar naquela ocasião, as diferenças de performance entre os atletas que
usavam tênis Nike e os que usavam tênis Adidas, medida ao longo de três olimpíadas
consecutivas, foi insignificante. Contudo, no cômputo geral de medalhas, houve
pequena vantagem dos atletas patrocinados pela Adidas, que apostou na segunda tese.
Esse
resultado sustenta uma dedução lógica, segundo a qual, por mais tecnologia que
possa apresentar, o tênis não oferece nenhuma vantagem prática à performance do atleta.
Portanto, na escolha do modelo de tênis ideal, procure apenas aquele que ofereça
boa proteção aos pés, com conforto. No máximo, busque modelos que ofereçam uma
adequação às peculiaridades anatômicas da pisada de cada um.
II - Atletismo: Fatos
relacionados:
1) AbebeBikila, reconhecido como o maior maratonista de todos os tempos,
"o vingador etíope", venceu as Olimpíadas de 1960, em Roma, correndo
descalço como sempre fazia.
Abebe Bikila: O maior maratonista de todos os tempos |
Contratado
por patrocinadores e fabricantes de artigos esportivos passou a treinar usando
tênis e, apesar de vencer em Tóquio quatro anos depois, se tornando o primeiro
atleta da história a vencer duas maratonas, teve a performance comprometida, a
partir de então, devido a desgastes nas articulações e uma fissura na perna
direita que muitos teóricos associam à tentativa tardia de adaptação ao tênis.
Na sua
terceira participação olímpica, (México/1968), foi forçado a abandonar a prova
no quilômetro 17, por causa de danos nas articulações.
2) SerafimMartins, atleta caparicano (da Costa da Caparica), foi campeão nacional
olímpico em 1913 e, nesse mesmo ano, venceu no Velódromo de Palhavã as provas
de 5.000 metros e de 10.000 metros. No ano seguinte, venceu da Maratona de
42.800 metros, em Lisboa. Apesar de insistentes apelos de patrocinadores
realizou todas essas provas correndo descalço.
III - Frases
e Teses:
"Não estamos dizendo para as pessoas correrem descalças.
O que quero dizer é que nenhuma sola especial controla o impacto, porque não são
inteligentes como a sola do pé".
(Alberto Carlos Amadio, Pós-doutorado e Livre Docente
em Biomecânica e Educação Física da USP, após concluir pesquisa na qual estudou
as quatro principais marcas de tênis do mercado (Nike, Asics, Topper e Rainha)
e não identificar nenhuma vantagem em relação ao rendimento do atleta, tampouco
à saúde do pé).
"O pé é anatomicamente adaptado para andar e para
correr descalço. O tênis, assim como qualquer outro acessório ou, até mesmo, prótese,
requer adaptação para ser utilizado sem prejuízo à saúde".
(Dra. Mariana Ferreira,
pesquisadora autora de estudos sobre a anatomia e saúde do pé (Universidade
Estadual de Santa Catarina).
"Muitas dessas propagandas são enganosas. Algumas
marcas chegam a anunciar simultaneamente o máximo de absorção de impacto e de
propulsão. Acontece que são conceitos físicos antagônicos, ou seja, se houver o
máximo de absorção não há propulsão".
(Júlio Cerca Serrão, pesquisador do laboratório e
professor da Escola de Educação Física e Esportes, da USP, sobre a publicidade
de tênis. Veja também: Desafie Seu Limite e CNPq).
"O aumento de altura dos calcanhares e da planta dos
pés (decorrente do uso de calçados) provoca instabilidade e modificações no
padrão normal de caminhar"
(H. H.Marrifield, da Texas Tech University, após
pesquisa realizada em 1971).
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Marcio Almeida é Engenheiro Mecânico e Engenheiro Industrial, Administrador de Empresas, MBA em Gestão Governamental e Ciência Política, Especialista em Informática, Especialista em Direito Administrativo Disciplinar, ex Diretor de Auditoria Legislativa e ex Presidente de Processos Disciplinares na Administração Federal Brasileira, Diplomado da Escola Superior de Guerra, M∴M∴, Escritor, Músico Amador, Meio-Maratonista, pesquisador autodidata em Nutrologia e Nutrição Esportiva, História e Sociologia.
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